
Mulher da região montanhosa de Petit Goave (Foto: CARE/Sabine Wilke)
Rick Perera, coordenador de mídia da CARE, escreve sobre o importante papel dos médicos comunitários no tratamento de ferimentos leves no Haiti
No terremoto que devastou o Haiti, onde os ossos quebrados e as feridas abertas superam o número de médicos, as pessoas se acostumaram a uma longa espera por atendimento médico. Mas muitos que entraram numa casa de tijolos de barro – a casa de Saurel Saintie – esperaram mais tempo que a maioria. Para escapar da capital Porto Príncipe, esses pacientes viajaram cinco horas ou mais numa estrada esburacada e empoeirada, a bordo de ônibus velhos, na boléia de caminhões ou empoleirados em grupos de três a quatro pessoas em motocicletas. Muitos atravessaram semanas sem que seus ferimentos fossem tratados.
Quando eles chegam na zona rural ao noroeste da cidade de Gros-Morne, a primeira parada é para ver “o médico de ervas”. Os pacientes fazem uma fila para entrar no consultório de dois cômodos, escuro mas arrumado, onde um colchão está estendido no chão, ao lado de uma prateleira cheia de delicados bonecos chineses. O curandeiro tradicional usa aparelhos caseiros, emplastros e técnicas de massagem para tratar alguns dos ferimentos causados pelo colapso de inúmeros edifícios.
“Vou colocar um gesso nele por um mês e faremos fisioterapia a cada três dias”, diz Saurel, tocando suavemente uma àrea inchada nos ombros de Fidelien Joseph, 34 anos. O operário da construção civil estava em sua casa em Porto Príncipe quando o tremor veio, jogando blocos de concreto sobre ele. Hoje ele não consegue levantar seu braço. “Ele ficará OK depois de algumas semanas”, diz o curandeiro.
Antes de se tornarem sem teto, muitos dos migrantes da zona rural moravam em construções precárias em bairros populosos de Porto Príncipe. Aqueles que sobreviveram, alguns com ferimentos graves, sairam da cidade na primeira oportunidade. Dezenas de milhares têm voltado para suas fazendas e aldeias de origem.
A CARE, que vem trabalhando no Haiti desde que o furacão Hazel atingiu o país em 1954, identificou os praticantes da medicina tradicional como parceiros-chave na sua abordagem comunitária em situações de emergência. “Curandeiros tradicionais são uma parte importante da rede do sistema de saúde aqui”, diz Francoeur Jean-Joseph, gerente de programas da CARE no escritório de Gros-Morne. “As pessoas tendem a fazer um contato inicial com eles e nós trabalhamos para educá-los sobre como proceder nos casos que necessitam de cuidados mais urgentes”. Ele acrescenta que profissionais como Saurel aliviam um pouco o atendimento do centro de saúde local, o Hospital Alma-Mater, que tem apenas vinte camas e já tratou quase 90 sobreviventes do terremoto.
Saurel, 50 anos, aprendeu o ofício com seu pai – uma tradição familiar que remonta a gerações. Ele é especialista em ortopedia, tratamento de entorses e fraturas simples. Casos mais complexos, como fraturas expostas ou lesões internas, são levados para o Alma-Mater. Saurel está consciente dos limites de sua prática. Ele envia regularmente pacientes com HIV e AIDS para os médicos de Alma-Mater, para que façam o tratamento anti-retroviral. Mas ele também confia na sua capacidade de ajudar.
Para começar, esses locais rurais eram pobres – é por isso que muitos de seus moradores, especialmente os jovens, migraram para a cidade. Lidar com uma avalanche de pessoas deslocadas é forçar os recursos locais ao limite. Junto com a comida e abrigo, cuidados médicos são escassos.
Como a maioria dos residentes de Gros-Morne, Saurel parece cansado, mas menos estressado que os recém-chegados da zona do terremoto. Ele está trabalhando mais do que o habitual e também cuida de seus parentes, que se refugiaram ali.
O trabalho do médico tem ajudado muita gente. A jovem de16 anos, Jocelyne Philoma, como tantos outros, tinha ido à capital para ter acesso a educação. Quando a casa da tia caiu, ela sofreu hematomas e quebrou alguns ossos – mas está aliviada por estar viva. “Estou feliz por estar aqui, porque minha saúde melhorou, depois das fraturas”, diz. “Elas estão melhores, desde que o médico as tratou”. Saurel sorri e passa para o próximo paciente.
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